De convivências irreconciliáveis e hipóteses improváveis

Rompido o vínculo histórico com o PG matricial, o nacionalismo galego emergiu do pós-guerra, como movimento de esquerda, inevitavelmente impregnado de marxismo por imperativo dos tempos. Tradiçom nacionalista e tradiçom comunista, aguda antinomia, água e azeite.

Tradiçom nacionalista e tradiçom comunista, aguda antinomia, água e azeite. Os netos da Comintern, a Terceira Internacional, e os da Geraçom Nós parecem avocados a incompreesom mútua

Os netos da Comintern, a Terceira Internacional, e os da Geraçom Nós parecem avocados a incompreesom mútua. As estirpes políticas em que umha e outra tradiçom assenta som divergentes e todo intento de aproximaçom revela de imediato o irremediável abismo que as separa. Mesmo hoje, um hipotético diálogo entre EU-IU (que nada tem a ver com os seus ancestres bolcheviques) e a UPG (formaçom auto conceituada como comunista patriótica) é impossível. As tradiçons pesam como campas de cemitério. Os mestres do pensamento social já o avisaram. O Marx d´O 18 brumário de Luis Bonaparte, esse cativador ensaio interpretativo da França de meados do XIX, deixou dito que “a tradiçom das geraçons mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos” e o Keynes da Teoria Geral avisou também que os “homes práticos, que se creem isentos de qualquer influência intelectual, som polo geral escravos de algum economista defunto”.

As tradiçons cristalizam em culturas e signos de identificaçom. Cartazes soviéticos e republicanos, poemas de Miguel Hernández ou de António Machado num imaginário, desenhos de Castelao, poemas de Pondal ou Novoneyra ("Desperta do teu sono", "¿Irei um dia do Courel a Compostela por terras liberadas?") no outro.

Carlos Marx lecionava no Manifesto Comunista que os operários careciam de pátria e que os antagonismos nacionais se dissolviam dia a dia no tráfego mundial. Nunca tanto errou o profeta

Carlos Marx lecionava no Manifesto Comunista que os operários careciam de pátria e que os antagonismos nacionais se dissolviam dia a dia no tráfego mundial. Nunca tanto errou o profeta. Em 1914 o astuto Lenine via-se obrigado a redigir o opúsculo O direito das naçons à autodeterminaçom para atalhar o debate aberto sobre a questom nacional que ameaçava o seu programa político. Nele houvo de reconhecer a igualdade de direitos de todas as naçons e a liberdade para separarem-se se assi o decidirem. Um reconhecimento formal, naturalmente, que passou tal qual à Constituiçom da Uniom Soviética como cláusula ornamental das atrocidades étnicas de Koba o Temível; aquele sujeito que opinava que a morte era um acontecimento trágico e a morte de um milhom simples dado estatístico. O final é conhecido. Em 1990, em plena implosom do gélido império, este via-se obrigado a atalhar a insuportável pressom centrifuga das identidades aferrolhadas promulgando umha lei que regulava o direito á secessom que serviria de prólogo ao desmembramento desordenado da Uniom. O último episódio chama-se Ucránia.

O mito da autodeterminaçom que regula o discurso nacionalista nom é menos verossímil que o da sociedade sem classes que anima a tradiçom comunista

Sob o ponto de vista da filosofia da emancipaçom proletária o discurso nacionalista é conceituado como refugo ideológico de arcaica raiz e signo reactivo, quando nom reacionário, avocado a dissolver-se na irresistível dinámica da história. Em contraste, os discursos identitários nom deixam de vindicar a sua singular estirpe histórica contra as miragens cosmopolitas do citoyen, o proletário, ou o mercado mundial. O nacionalismo -opina a filosofia da praxe- alicerça-se sobre mitos. Nom é fácil negá-lo, mas, o mito da autodeterminaçom que regula o discurso nacionalista nom é menos verossímil que o da sociedade sem classes que anima a tradiçom comunista.

Esquerda Galega, a extinta formaçom política com a qual me identifiquei enquanto me foi possível, pretendia renovar a tradiçom do nacionalismo galeguista republicano emanada da Geraçom Nós inserindo-a na tradiçom do socialismo democrático no seu sentido forte. Pretendia impulsionar um duplo projecto de construçom nacional e emancipaçom social de amplo espectro, livre de dependências alheias mas também de tentaçons autorreferenciais. A aventura acabou fracassando. Em 1984, Esquerda Galega pactuou a integraçom do Partido Socialista Galego. Em 1993 ensaiou umha ampla abertura ao centro que culminou com o nascimento da plataforma municipal Unidade Galega. A sua instabilidade constitutiva -vítima da sua heterogeneidade ideológica e, sobre todo, da aberta hostilidade dos seus competidores no mapa político- conduzírom a EG a ensaiar no mesmo ano um pacto com a formaçom eurocomunista de Ángelo Guerreiro: Esquerda Unida. O fracasso eleitoral da experiência acabou centrifugando o projecto de EG cara os seus polos políticos.

Esquerda Galega, a extinta formaçom política com a qual me identifiquei enquanto me foi possível, pretendia renovar a tradiçom do nacionalismo galeguista republicano emanada da Geraçom Nós inserindo-a na tradiçom do socialismo democrático no seu sentido forte

Lembro algumha liçom daquela experiência. No curso das negociaçons com Ángelo Guerreiro, o problema da dependência orgánica EU-IU foi objecto de teimudo debate como o obstáculo maior para a pretendida construçom de um partido nacional galego ancorado nos valores da esquerda transformadora. A tese de Guerreiro, que nunca poderá ser submetida a verificaçom, era que o indiscutível sucesso do projecto em discussom -Guerreiro foi sempre um incurável optimista- faria inevitável a ruptura do vínculo orgánico externo que obstaculizava o pleno desenvolvimento do projecto. O amigo Guerreiro, cordial antagonista e imperturbável optimista, estava feito da mesma excelente madeira que o nosso comandante político Camilo Nogueira. O labor de tecelagem e desfeita de um projecto de construçom nacional inclusivo com vocaçom transformadora, nada avançou nos seguintes vinte anos e aqui estamos. Vinte anos som umha eternidade em política. O Partido Galeguista, nascido em 1931 e assassinado em 1939, legou-nos nos seus oito anos de vida mal contados umha rica herdança política ainda em litígio.

Infelizmente, a ousadia nom é virtude que abunde nas forças subalternas do mapa político galego. Na prática parecem conformar-se com a supremacia bipartidista que alimenta a apatia política do país

Revoltas baixam as águas na AGE. A federaçom galega de IU, EU, apresta-se a eleger dous candidatos para concorrer nas listas da sua matriz política enquanto Anova, sócio maior da AGE, debate a disjuntiva de somar-se a essa plataforma para contribuir a estabilizá-la ou virar para a casa comum há pouco abandonada. Nom podemos por menos de reflectir na hipótese de que EU tivesse extraído as consequências pertinentes do clamoroso êxito eleitoral alcançado com AGE procedendo à sua desvinculaçom orgánica de qualquer instáncia externa. Esta era a hipótese esgrimida por Guerreiro e talvez teria propiciado a configuraçom de um partido nacional galego inscrito na esquerda transformadora e orientado ás maiorias sociais. Infelizmente, a ousadia nom é virtude que abunde nas forças subalternas do mapa político galego. Na prática parecem conformar-se com a supremacia bipartidista que alimenta a apatia política do país.

A física ensina que a emulsom de dous líquidos imiscíveis por efeito da agitaçom -água e azeite- acaba retornando à situaçom original por causa da tensom superficial que se opom à mistura. O irremediável poder da tensom superficial que encapsula Anova e EU nas suas tradiçons intransitivas impedem a coalescência pretendida da água e o azeite em que navegam. O refúgio inercial na tradiçom tem, contodo, a virtude de nom suscitar polémica interna, aspecto decisivo nas organizaçons políticas.

Cabe algumha saída do actual impasse? Persoalmente só se me ocorre umha, embora reconheça a sua inverossimilhança: que a UPG fosse capaz de abrir à militáncia a arca da aliança dos seus princípios originários mediante o procedimento elementar de dissolver-se na sua criatura mais robusta, o BNG, abrindo ao mesmo tempo umha ampla convocatória incondicional para dotar Galiza de umha força política a altura dos desafios contemporános. Umha miragem, bem sei, mas nom extravagante desatino a desdenhar. Poderia ser mesmo a resposta histórica do nacionalismo de esquerda á atrofia progressiva que invade as instituiçons do Estado e o sistema político que o sustenta desde a transiçom democrática.

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